IVA com recibo

Publicado em , por Pedro Couto e Santos

Há dez anos que tenho uma empresa e há dez anos que luto por mantê-la viva… contra o Estado.

Já aqui falei várias vezes deste assunto, não vale a pena estar a vir com o choradinho todo outra vez, mas uma das coisas que sempre me enfureceu na maneira como o sistema fiscal funciona em Portugal é o mecanismo do IVA.

Para quem não tenha noção, as coisas funcionam mais ou menos assim: eu, como empresa ou qualquer outro sujeito passivo de IVA, sou obrigado a cobrar 20% mais em cada um dos meus serviços, para efeitos de IVA.

Esse valor, porém, não é para mim: é para o Estado. No final de cada trimestre, os sujeitos passivos de IVA devem fazer uma declaração ao Estado do valor de IVA cobrado aos seus clientes nesse mesmo trimestre e, claro, liquidá-lo pagá-lo (obrigado Nuno Correia).

A perversidade está nas condições para esse pagamento. O mesmo é sempre efectuado sobre valores facturados. Portanto, se eu emito facturas no valor de 5 mil euros mais IVA, no final do trimestre tenho que pagar mil euros de IVA, independentemente das facturas emitidas já me terem sido pagas pelos meus clientes!

Da primeira vez que as pessoas comuns se apercebem disto (pessoas sem conhecimentos de fiscalidade), ficam um pouco confusas… é suposto recolhermos um imposto, em nome do Estado que devemos entregar ao dito, de três em três meses… independentemente de o termos, efectivamente em mãos?!

Sim.

E tendo em conta que em Portugal se pagam facturas a 60, 90 e mesmo 180 dias (ou mais…), já imaginam o problema que isto é para uma PME: chega ao fim do trimestre, muitos clientes ainda nem sequer fizeram tenções de pagar, mas o IVA, que a PME não tem, deve ser entregue ao Estado.

Escusado será dizer que algumas PMEs vêem-se obrigadas a falhar esta obrigação fiscal, sendo posteriormente multadas, com é óbvio, outras preferem deixar salários atrasados ou não pagar certos benefícios aos seus funcionários para poderem pagar ao Estado um imposto-fantasma e finalmente, claro, muitas arranjam facturas falsas e gastos inventados para tentarem minimizar o impacto do IVA já que, qualquer IVA pago por um sujeito passivo de IVA a outrém, abate no valor de IVA a entregar ao Estado (como é evidente).

Ao que parece, surgiu um movimento, iniciado por uma empresária, para que seja debatido na AR uma proposta muito mais sensata que é o IVA com recibo. Ou seja, eu pago o meu IVA sim senhor, mas baseado nos recibos emitidos num trimestre e não nas facturas. Sempre defendi esta ideia e custa-me a crer que não seja, de facto, assim.

É claro que a emissão de recibo implica a pagamento de uma factura o que por sua vez implica que sim, já tenho o dinheiro do IVA na minha conta e posso entregá-lo ao Estado sem grandes dramas.

A iniciativa tem um site oficial e está associado a uma petição que necessita de duas mil assinaturas para que o assunto seja levado a plenário na AR. Se são sujeitos passivos de IVA, sobretudo PMEs, não ignorem esta ideia que pode salvar o vosso negócio.

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30 comentários a “IVA com recibo”

  1. pauloaguia says:

    Os tribunais já têm decidido nesse sentido também:
    http://www.anilact.com/index.php?option=com_content&task=view&id=4664&Itemid=86
    Pelo que eu percebi, a empresa em causa pagava o IVA só depois de liquidado. O Estado exigiu-lhe o pagamento de coimas. A empresa reclamou dentro dos prazos curtos quetem para o fazer. O tribunal deu razão à empresa, dizendo que não se pode exigir dinheiro que ainda não foi recebido para entregar.

    Claro que só depois da 5ª sentença é que faz jurisprudência (esta foi a primeira)… mas pode ser que o Governo se lembre de alterar isso antes de ser forçado a tal.

  2. Compreendo o que dizes e concordo completamente. O problema aqui é que, se já é difícil fiscalizar assim imagina se mudarmos para um regime do tipo que sugeres.

    É claro que tudo é possível e se deve tentar mudar nesse sentido…

    Um dia vi na TV um senhor com uma empresa de equipamento de vigilância em que o maior cliente era o Ministério da Justiça.

    Basicamente, acho que devia 1 milhão de euros em IVA ao estado e teve que declarar falência porque não tinha dinheiro para pagar porque o estado ainda não tinha pago…

    Esta merda é 1 POUCA VERGONHA que me enraiveceu COMPLETAMENTE…se estivesse na pele do homem não sei o que faria e se conseguiria manter-me com uma atitude social……..

    Uma outra coisa que eu acho que se devia fazer para acabar com problemas de fuga a impostos é permitir a todos os cidadãos descontarem o valor do que consomem…e digo…de TUDO! (quer seja roupa, comida, uma caneta, gasolina, etc)!

    Poderia ser um valor inferior ao que o estado no final ganha (tipo 50% até) mas isto fazia a economia ser mais justa já que toda a gente passava a pedir recibo e o próprio dono do estabelecimento / empresa (também sendo consumidor) também faria o mesmo!

    Ah, e já agora, acho que algo que também faria realmente melhorar e MUITO a nossa economia era foder e bem os bancos!

    Não compreendo, somos um dos únicos países no mundo (no meu humilde conhecimento) em que estamos numa crise mas os bancos dão mais lucro do que NUNCA)!

    Olhem, por exemplo, para o caso dos Estados Unidos…

    Hugz,
    Luís

  3. Luís, tens razão e já esperava que alguém mencionasse esse problema, mas creio serem dois problemas distintos e que o da fuga ao IVA se insere noutro muito maior de fuga sistemática aos impostos no nosso país.

  4. Alves says:

    Estou completamente solidário com esse problema e a solução do recibo parece-me bastante eficaz. Agora é moda o Estado promover o empreendedorismo – fazia muito melhor em resolver estes “pormenores” mundanos que tanto afectam as PMEs antes de se preocupar com bolsas e subsídios ou acordos com multinacionais (microsoft, intel, …)

  5. Gus says:

    Quanto á dificuldade em fiscalizar: é difícil avaliar isso, considerando que até este governo, praticamente não havia fiscalização. Era fácil fugir ao IVA/IRS/etc simplesmente porque não se davam ao trabalho de fazer auditorias aleatórias. Acho que já o fazem, mas a um número ridiculamente baixo de empresas.

    O pagamento de IVA baseado na factura, é uma tentativa de não fazer fiscalização. O idiota é que recompensa as empresas por *não* passarem factura.

  6. Joao says:

    Esse problema afecta também os profissionais liberais, que tal como as empresas também têm de fazer entregas de IVA ao Estado sobre valores que muitas vezes ainda não receberam, e muitas vezes o cliente é o próprio Estado.

    Conheço casos em que o Estado demorou 4 a 5 meses a pagar aos seus recibos-verdes, e estes no entanto tiveram de avançar com o pagamento do IVA.

    Que o IVA seja pago com referência ao acto de recebimento e não com base na data da factura ou recibo-verde eu acho muito bem. O que acho ainda mais é que o IVA é um imposto idiota. Nunca percebi qual é, de facto, a sua justificação, mas isso sou eu, que sou burro.

  7. João, pensando bem no assunto, todos os impostos são idiotas :-)

    O IVA é um imposto sobre o consumo que existe um pouco por todo o mundo e que ajuda a encher os cofres do Estado para, teoricamente, fazer pontes e escolas e essas coisas.

  8. bintxo says:

    Eu sou um trabalhador independente e sofro as normais penalizações em termos de impostos directos e indirectos que as Empresas sofrem. A verdade é que a Lei Fiscal, para as PME’s e pequenos profissionais liberais (volume de facturação que permitem por exemplo a inclusão no regime simplificado), é desadequada. A tributação fiscal e os mecanismos pelo qual opera, foi concebido para operar em Empresas sustentáveis durante todo o ano (existem vários meses ou anos em que as nossas PME’s só produzem prejuízo) e ainda sob o ultrapassado facto de o recebimento ser sempre efectuado no imediato ou no máximo a 90/180 dias (o real mercado funciona na base do pagamento quando tem capacidade para o efectuar, sendo que os os processos em tribunal são mais do que muitos e muitas vezes, iniciadores de pedidos de falência e insolvência, o que quando acontece, torna praticamente impossivel o recebimento).
    Bem com esta conversa da treta toda quero lançar-te um pequeno desvio à lei para te poder dar uma eventual solução (naturalmente sem incorrer em ilegalidade esplícita). Apenas és sujeito a entregar o IVA Liquidado sobre valores facturados, assim podes criar um documento de liquidação que entregarás ao teu cliente para este registar o pedido de facturação na sua Empresa e apenas emites a tua factura, aquando da comunicação do pagamento. Assim só facturas mediante pagamento. Pese embora de acordo com o CIVA, a facturação deve ser efectuada com a data em que o serviço seja prestado, penso que poderás conseguir facilmente na tua actividade fazer alguma prova, além de que podes passar a tua factura com datas anteriores à que te encontras, desde que as datas não sejam saltadas. Se as Empresas clientes podem atrasar os pagamentos tu também como PME’s poderás atrasar a emissão das facturas e não atevejo qualquer problema por tal.
    Tenho a inteligência suficiente para perceber porque faz sentido a existência de impostos e de que forma nos tornamos hipócritas quando renunciámos à necessidade da sua existência. Temos é que nos ir adaptando e explorando as omissões na Lei à medida das nossas necessidades e da nossa dimensão.
    Agora põe-te mas é a trabalhar que só assim saímos da crise.

  9. Joao says:

    Pedro, não diria que todos os impostos são idiotas. São formas de financiamento, é uma contribuição que os cidadãos fazem para assegurar o funcionamento do Estado e, em alguns países mais que noutros, para garantir o Estado-Previdência (além das contribuições feitas para a Seg. Social). Se essa contribuição é bem gerida ou não, é discussão que nos leva longe (e sabemos que não é…).

    O IVA, claramente, só serve para encher cofres, e na minha óptica afasta-se muito da lógica de contribuição para assegurar garantias dadas pelo Estado. Eu pergunto-te “fazes-me um desenho?” e tu dizes “faço”. E vem o Estado e pimba, diz “eh lá, o gajo faz-te um desenho, mas por causa disso temos de receber X”. Conceptualmente, não faz sentido na minha cabeça (como disse, sou burro) que o Estado tenha de se intrometer nas trocas comerciais ou se preferires, no consumo.

    Quando eu presto um serviço e recebo por isso, o que recebo é integrado no meu rendimento, e é taxado. Pago imposto pelo rendimento. Porque raio tem o beneficiário desse serviço de entregar ao Estado (usando-me como veículo) um imposto? São coisas que não fazem sentido nenhum para mim.

    Com um sistema fiscal mais transparente, preferia a ausência de IVA e um IRS/IRC mais elevados. Quem visse, na ausência do IVA, um espaço aberto para elevar os preços dos serviços e produtos em proveito próprio, seria apanhado na curva com taxação mais elevada de IRS/IRC (o fisco teria de funcionar, mas quem foge ao fisco, foge sempre, com ou sem IVA).

    Seriamos mais competitivos, os serviços e produtos seriam mais acessíveis e portanto as empresas teriam mais vendas (permitindo suportar o IRC eventualmente mais elevado, mas esse seria calculado sobre o rendimento e portanto não haveria a anormalidade actual com os prazos do IVA). Poderá ser simplista, mas é o que me parece, que não sou fiscalista.

    Poderia haver, pelo estímulo do consumo, algum perigo inflaccionista, mas talvez o IRS mais elevado travasse um pouco isso.

    Divagações à parte, impostos sobre o rendimento eu entendo. Sobre o consumo, não, acho idiota.

  10. Garcia says:

    Post interessante. O mais escandaloso é quando é o próprio Estado – por exemplo uma autarquia – que deve dinheiro e vem o mesmo Estado exigir o pagamento do IVA de uma dívida que não foi liquidada a uma PME por culpa da mesma entidade… e em Portugal isso farta-se de aconcetecer…

  11. Rogerio Pereira says:

    Se te apercebeste que da primeira vez que as pessoas comuns se apercebem desta mama do IVA (pessoas sem conhecimentos de fiscalidade), ficam um pouco confusas, experimenta explicar-lhes o que é o Pagamento por Conta, o Pagamento Especial por Conta e as Tributações Autónomas (para efeitos de apuramento de IRC). Estas últimas são uma invenção do Pina Moura e simplificando é assim: há despesas que o Estado considera que são proventos, logo sujeitas a IRC! Simplesmente macabro…

  12. Pois é. O PEC é absolutamente desastroso para a tesouraria da minha micro-empresa…

  13. kincas says:

    Tudo isso é correcto e tem toda a razão.
    Mas não vi ninguém a “refilar” pelos prazos de pagamento.

    Estão a fazer pagamentos a 90 e 180 dias porque os fornecedores assim o permitem.
    É, infelizmente, uma prática que cada vez está mais em uso e por este andar qualquer dia os fornecedores ainda vão ter de pagar para lhes “comprarem” os produtos/serviços.
    Contra isto não tenho visto ninguém insurgir-se.

    Porque será?

  14. Kincas… ninguém se queixa disso? Olha que essa é uma das principais queixas dos empresários, sobretudo de PMEs.

  15. kincas says:

    E o que têm feito para inverter essa tendência?

    Uma coisa é queixar e outra completamente diferente é fazer algo contra.

    O “portuga” gosta muito de mandar vir, mas quando deve fazer algo está quieto.
    Não vi nada feito para lutar contra essa situação.

  16. Como se luta contra isso?

    Consegues sugerir alguma forma prática e exequível?

  17. kincas says:

    Mas afinal quem é que impõe os prazos de pagamento?
    É o fornecedor do produto/serviço ou o comprador?

  18. Desculpa lá, Kincas, podes elaborar? Não sei que conhecimento tens destes assuntos, se estás a fazer perguntas retóricas ou efectivas. :-)

    Normalmente quem compra diz assim: eu compro, mas só te pago a 90 dias e tu ou aceitas, ou perdes o cliente que vai a outro lado que aceite os 90 dias.

    E depois, quando os 90 dias acabam, tu tens que começar a telefonar para te pagarem, senão vai aos 180… com sorte.

  19. kincas says:

    E se não existirem fornecedores que aceitem?

    Talvez a “culpa” também esteja ai.
    Existirem “fornecedores” que até a perder dinheiro aceitam fornecer.
    Será culpa dos “compradores” essa situação?

  20. É um sistema que se come a si mesmo. Novamente pergunto se tens alguma proposta prática e exequível para resolvere a situação.

  21. kincas says:

    Fugir às suas responsabilidades é que não vai inverter a situação.
    Quem nada faz para o contrariar não pode depois “refilar”.
    Essa de ficar de braços cruzados à espera de “um milagre divino”, tão típico do tuga, nada resolve.
    E essa “treta” de sozinho nada consigo é isso mesmo. Treta.
    Não havendo ninguém a impor os seus direitos nunca poderá a situação começar a inverter.

  22. Desculpa lá, Kincas, mas a tua conversa não está a ir a lado nenhum e parece fundada numa fantasia qualquer que nada tem a ver com a realidade de ter que facturar todos os meses para pagar contas e salários a funcionários, ou achas que as pessoas têm tempo ou energia para andar a montar cruzadas heróicas?

    Já perguntei duas vezes se tens propostas práticas e exequíveis e limitas-te a voltar a dizer que não fazer nada é que não resolve. Então propõe o que se pode fazer.

    Mas algo prático e exequível, por favor.

  23. kincas says:

    Já foi respondido. Quem negoceia com os clientes são os fornecedores.
    Agora se nada fizer por isso não tem qualquer legitimidade para falar.
    Só a tem após ter feito por isso.
    Não está à espera que as coisas lhe caiam no colo? Que a “papa” seja prontinha e entregue?
    E esta é a mais pura realidade.

  24. OK, já percebi que estás fora do assunto.

  25. kincas says:

    É por tipos assim que nunca se sai da sepa torta.

    Infelizmente contestar é a única coisa que sabem fazer.
    Lutar contra e no seu interesse, deixam para os outros.

  26. Oh Kincas, já leste todos os teus comentários? Já viste que não propões nada? Tu próprio, a única coisa que estás a fazer é criticar. Estás a pressupor que eu (creio que falas de mim), estou a contribuir para perpetuar um sistema de maus pagadores porque não faço “nada”. Mas não propões o que é esse nada que eu devia fazer.

    Em muitas empresas o departamento de cobranças é o que mais trabalha. Chega a um ponto em que há empresas que se especializam somente em cobranças!

    Fazem-se coisas: começa por se propor pagamento a 30 dias, quando o cliente diz que só paga a 60 impõe-se um aumento do orçamento para cobrir o tempo de espera.

    Também se impõem valores de adjudicação, para que o cliente seja obrigado a pagar algo à cabeça.

    Isto são coisas práticas, muitas delas já se fazem. Era isto que gostava de te ver sugerir, em vez de martelares sempre na tecla de que “é por tipos assim que não se sai da cepa torta”.

    Propõe ideias tuas… gostava de as ler.

  27. kincas says:

    Alguem o obriga a vender a 90 e a 180 dias?
    Só é assim porque aceita.

  28. Oh pá, é verdade! Agora vejo a luz. Vou passar a não aceitar. Depois quando for à falência por total e completa ausência de clientes, mando-te um mail a pedir dinheiro emprestado pode ser?

    As coisas não são assim “só porque se aceita”, amigo. Isso é de um idealismo a roçar a ingenuidade.

  29. kincas says:

    É por pensar assim e nada fazer que as coisas chegam a esse ponto.

    A culpa não é de mais ninguém.

    Se um cliente não tiver que lhe “dê abébias” vai pagar a tempo e horas. Ou então é ELE que tem de fechar a porta.
    Existem firmas de seguro de crádito. Com essas eles não “brincam”. Porque será?

    Por outro lado, se lhe fizer um preço sem “acrescentar” os “juros” da demora será que ele não vai preferir?
    É tudo uma questão de números e fazer as contas.

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