Sentido

Publicado em , por Pedro Couto e Santos

Quando recomecei a escrever escrevi um pequeno texto sobre nada e fui inundado de comentários. Não sei bem o que significam os comentários. Algo me diz que devo agradecer a todos os que nos escreveram palavras de encorajamento, mas essa é apenas uma sensação de dever social.

Não me interpretem mal, simplesmente não sei o que pensar da maior parte das coisas que as pessoas me dizem ultimamente. Sinto coisas que nunca senti antes e não sei o que responder às pessoas. Dou por mim, muitas vezes, a dizer às pessoas com quem me cruzo “não digas nada”, quando elas procuram uma qualquer palavra – que duvido que exista – para me dizer.

Houve um comentário, porém, que não me caiu bem. Era, na verdade, algo de que já estava vagamente à espera, mas que ainda ninguém tinha dito.

Era um comentário que falava de deus e do destino que este traça e por aí fora. Acredito na boa intenção de quem o escreveu, mas gostava de saber qual é, exactamente, a explicação da religião para o que aconteceu.

É que se deus existe, então é um real filho da puta. E se me dizem que não, não é um grande cabrão… então resta-me concluir que deus não existe porra nenhuma, nem tem motivos insondáveis, nem actua de formas misteriosas.

Não há linhas tortas do destino. Não há inevitabilidade divina. Não existe céu e inferno, nem alma, nem redenção, nem ordem celestial. Existe apenas caos. Um caos, esse sim, filho da puta: tudo é arbitrário e nada tem sentido.

No dia sete de Setembro, de 2005, algures a meio do dia, o meu filho, que se ia chamar Alexandre, morreu. Nunca chegou a provar o sabor do ar, nunca viu o pai e a mãe. A primeira vez que o vi, em vez de num berço, estava num pequeno caixão. Era perfeito. Tinha espesso cabelo escuro, lábios grossos e um nariz pequenino. Tinha mãozinhas com unhas redondinhas que me apeteceu apertar.

Nunca vou ver o Alexandre crescer.

Se alguém me conseguir explicar porquê… sou todo ouvidos.

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18 comentários a “Sentido”

  1. Ana Paula Miraldo says:

    Pedro,
    não me conheces, mas temos uma amiga em comum, a Marciana. Soube do que te tinha acontecido e como tenho um filho com 14 meses, tentei imaginar como seria se não o tivesse e fui invadida por um medo aterrador, pq para mim é perfeitamente inconcebível a vida sem ele. Eu acredito em Deus, mas não concordo com o que te disseram, pq acho que ninguém merece sofrer uma tragédia tão grande assim, the loss of a beloved son. A partir do dia em que infelizmente o Alexandre morreu, eu passei a valorizar trezentas mil vezes o tempo que passo com o meu sweet bebecas. There are no words of comfort for you and dee, mourn as long as you both need to, e espero que vcs consigam encontrar outra normalidade para as vossas vidas, because life will never be the same.

  2. Alex says:

    Feng Shui

    Feng Shui não tem nada a ver com Deus, não é uma resposta às dúvidas que colocas. Essas são muito difíceis de explicar e compreender.
    Isto é outra coisa. Tu, algures, falas de Tai Chi, portanto é possível que já tenhas ouvido falar de Feng Shui, a arte chinesa do posicionamento.
    A tua energia no Feng Shui é Fogo (a da Dee também), e o Fogo precisa de falar, de preferência para muita gente. Se não falares, há muito em ti que está morto.
    Congratulo-me com o facto de teres aberto o site e de estares a voltar à vida.

  3. Pi Nunes says:

    Não tentes justificar o que aconteceu … ninguém consegue … numa situação como esta não deves pensar em nada mais a não ser em ti e na Dee (como alguém já te disse, mourn as long as you both need) … e a quem tentar vos ajudar com palavras de ânimo ou justificações, não te preocupes em agradecer ou sequer entender … cabeça quente e coração sofrido nunca foram bons a decifrar o que quer que seja.

    Quem vos “lê” e vos deixa uma mensagem, sabe que não ajuda, mas não consegue deixar de ficar tocado pela vossa tristeza.

    E já falei demais … um beijo aos dois

  4. Pedro,
    há muito que acompanho as tuas escritas e as da Dee, e apesar de não vos conhecer assim tão bem, acho que o pouco que fui lendo me permite comentar tudo isto. Acho que qualquer um de nós ficaria e está em estado de choque com tudo isto. Partilho contigo as dúvidas da ordem divina, acho que nada pode explicar o que se passou convosco, não consigo encontrar uma explicação racional para estas coisas acontecerem, não consigo.

    Há uns anos atrás foi surpreendido com uma situação semelhante, não com um filho, mas comigo próprio, somos apanhados pela corrente, sem aviso, assim, de um minuto para o outro o nosso mundo vira do avesso, relativiza tudo o que acreditamos e tudo o que nos move. Não há explicações, ninguém consegue dar-nos as explicações que tanto desejamos ouvir, algo que faça sentido, algo que dê uma justificação para o inesplicável, nada, só o vazio.

    Sem muitas palavras como te disse, resta-me dizer-te que no meu caso, me ajudou em muito aquela que hoje divide comigo a minha vida, foi ela que nos piores momentos me fez olhar em frente e ultrapassar tudo aquilo. Não ficamos iguais, é mentira que ficamos mais fortes, passamos a olhar a vida de forma diferente, mas acho que tens a teu lado uma rapariga excepcional e que olhando um pelo o outro vão conseguir sobreviver a isto, e a palavra acredita é mesmo essa, sobreviver.

    um abraço e força neste momento…

  5. Ana says:

    não há palavras, sou amiga da rita (marciana) e há já algum tempo que de quando a quando vou aos vossos sites, que vos tenho, so to speak, na minha vida, neste momento tudo parece horrivelmente inadequado e desapropriado, nada faz sentido…muita força e muita luz…

    *there is no goodbye, only love*

    much love for you and dee,

    ana

  6. melusine says:

    Sim, não há deus.
    E sim, andamos aqui enquanto não houver nenhuma casualidade que nos dê um fim.
    E tudo o que vocês passaram e passam é uma reviravolta trágica da vida, que vos traduzem num cardinal estístico. É muito injusto e tua ira é mais que justificada.

    Estejam juntos, apoiem-se um ao outro e tomem o tempo necessário para retomarem a normalidade aparente da vida. É mesmo isto, não há muito mais para esperar da nossa existência. Muito injusto e não deveria ser possível.

    estes que escrevem por aqui estão convosco.

  7. diogo says:

    pedro, sinceramente não sei que dizer! também só tenho 13 anos e não me imagino numa situação dessas! neste ultimo ano também sofri com a morte de um ente querido e custou-me muito! ainda hoje me lembro desse dia e do mal que eu passei! um filho é mais importante que as vezes a própria mãe! a expressão “o tempo tudo cura” talvez sim, talvez não seja verdade! e o que te aconteceu foi demasiado profundo para se curar depressa! mas por muito que custe a vida recomeça até que um dia acabe de vez e o sofrimento também! dizem que a vida é justa! pois eu não acho! senão porque aconteceriam estas coisas? não te conheço assim tão bem, nem tu a mim! mas já deu pa perceber que és boa pessoa e não merecias o que te aconteceu! mas enfim ainda sou criança não é? muitos devem pensar que para mim é tudo fácil, sim talvez em adulto seja tudo pior!! enfim já nem sei o que digo! simplesmente até eu fiquei triste com o que te aconteceu!!
    (e como outros disseram se disse alguma coisa que não devia desculpa)
    Um forte abraço

  8. Ahedonia says:

    “Existe apenas caos”. Algo em sintonia com o que eu já tinha escrito noutro sítio, a propósito do que se está a passar “Life is Caos, usually the bad kind” É simplesmente a sorte, o acaso que permite com que passemos mais ou menos tempo sem nos molharmos na chuva de merda.
    Penso que não tenhas de dizer ou agradecer nada. Já chegam todas todas as tuas perguntas que ficam por esclarecer.
    Nós sim, temos de agradecer. Afinal vocês partilham a vossa experiência de vida, uma parte dela, e todos nós ficamos um pouco mais ricos com isso. A minha reciprocidade? O garantir-te que vocês não são indiferentes. Estes anos já vos proporcionaram estatuto de amigos. Daqueles que partilham as alegrias e tristezas. E nós sentimos. Sentimos tudo. Sem transmissões de energias ou tretas. Pura e dolorosa empatia.
    Um abraço

  9. pachita says:

    Não tens que agradecer, nem de procurar palavras para responder.

    Neste momento, a única coisa que interessa és tu e a Dee. O resto do mundo que exploda. deus incluído.

    Um abraço apertado aos dois :)

  10. João says:

    Eu queria dizer qualquer coisa, Pedro, mas não consigo. Não tem explicação. Dói, e vai doer continuar a doer muito. É preciso deixar a dor sair cá para fora. Força!

  11. Dito Cujo says:

    Quem vem com essas estórias de destino, de “Deus escreve direito por linhas tortas” e até mesmo aquela da vossa mulher-a-dias que dizia que dava azar montar a cama do bebé antes de nascer… essa gente não pensa, não tem coração, não tem consciência, não tem a tal alma que afirmam que temos, não tem nada.
    Em vez disso preferem refugiar-se numa superioridade moral que é tão característica de pessoas a quem estas coisas nunca aconteceram e a que se julgam tão imunes.
    Depois de estes vossos sentimentos iniciais de revolta se acalmarem um pouco poderá surgir uma ou mais oportunidades de voltar a engravidar e então um sentimento de relativa (muito relativa) normalidade poderá voltar.
    Não digo isto por experiência própria mas por ser amigo de alguém a quem algo muito semelhante aconteceu; essa pessoa hoje tem filhos e fala do incidente com mágoa e pesar mas com muito maior leveza.
    Dito isto, aqui e agora, parece ser impossível. É porque parece estar longe.

    Finalmente, não é o tempo que cura. É o que fazemos com ele.

  12. “The only excuse for God is that he doesn’t exist.”

    Diz-se que foi Nietzsche que disse isto.

  13. Pedro,
    sei por experiência própria que não é depois de nascer que passamos a ter um filho. É sim, no momento em que vemos o teste positivo. É nessa hora que começamos a amar um feijãozito que vai crescendo no ventre da mulher.
    Sei que terás uma grande dor e uma revolta muito grande e não vou dizer os velhos clichés que “a vida continua” e “não podemos ficar a pensar no assunto”. Custa! Sim, imagino que custa e muito. Claro que a vida continua, mas não será a mesma coisa. Por isso deixo um grande abraço e a minha solidariedade.
    Como pai que sou, esta história emocionou-me bastante e deixou-me um aperto no peita.
    ABRAÇOS!

  14. João Bispo says:

    Não vou dizer nada.
    Only pain is real.
    Forte abraço!

  15. Nuno says:

    Pensei se deveria ou não escrever …
    Numa noite em Março, nasceu o Miguel, quando a médica pegou nele ele tinha um nó no cordão umbilical, mas não estava apertado…
    Nunca percebi realmente a nossa sorte …

    desculpem

    força

  16. Xanda says:

    Hoje voltei ao seu blog.
    sou péssima a “navegar”, ainda que a tenha net disponível todos os dias, todo o dia no computador que está à minha frente.
    Há +/- cinco semanas teve de ser: grávida de 12 semanas + 38 anos =amniocentese, e assim foi digitei no google e comecei a passear e por aí passei por um “macaco sem galho que “tinha ido” fazer uma amnio”, aliviou-me o stress do ?doi? ?será horroroso? ?vou sair de lá em maca? sem me mexer?. é engraçado como temos mais ou menos as mesmas preocupações… ainda vi que uns dias mais tarde tinha corrido tudo bem. Fiquei satisfeita.
    Os dias foram passando e senti a necessidade de “googlar” mais uma vez: qd virá a resposta – e lembrei-me de certeza haveria uma data no comentário, que eu tinha lido. havia 11 dias, algures em Março/Abril. A curiosidade apertou-me “será que já..?” tive de andar às voltas à procura. rápidamente encontrei e fiquei com o coração pequenino mesmo muito pequeno.
    Não somos donos de nada e qd crêmos que somos, algo nos lembra que de facto nada possuímos. Sómente imagino a dor, ao olhar para as fotos das duas pirralhinhas que estão sobre a secretária e que hoje de manhã eram ainda minhas.
    Não há explicações, só quero dizer-lhes que vão estar nas minhas lembranças, qd olhar para a Joana e para a Cati, qd pensar na pirralhinha que cresce dentro de mim, não planeada, mas já tremendamente amada.
    O Alexandre não virá, nenhum bebé o poderá substituir. Um filho não substitui outro, mas quando estiverem prontos irão descobrir que um filho vos preencherá.
    não sei como me despedir,
    vou-me lembrar de vós

  17. Viver doi como o caraças, doi mesmo, aqui, na China, no México ou noutro sitio qualquer. A dor não se explica, sente-se e quaisquer palavras são apenas isso bla,bla,bla – e com a dor dos outros ninguém aprende nada, quando se vive a merda toda a gente rebenta, uns explodem outros implodem e continuará a ser a sim, DOI ponto.

  18. Anabela Tomás says:

    Viver pode ser doloroso, mas doi menos quando partilhado com amigos ou pessoas positivas, eu por exemplo tenho o meu melhor amigo fora a estudar no canadá e de repente estava eu deprimido resolvi ligar para um dos participantes na experiencia Optimus e estivemos à conversa quase uma hora. Quando desliguei senti que as coisas partilhadas custam menos e sabem melhor.

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