A minha liberdade acaba onde a dos outros começa

Publicado em , por Pedro Couto e Santos

Não é assim que se diz? Ou a minha começa, onde acaba a dos outros? Ou é a mesma coisa?

Estamos no dia da liberdade e viva a dita. Tudo o que temos, bom ou mau, se deve em grande parte ao derrube do regime autoritário de extrema-direita que tivemos em Portugal durante 40 anos (ou 41, vá). Mas há uma coisa que nenhum golpe consegue deitar abaixo e essa coisa é a evidente ausência de civismo e respeito mútuo dos portugueses.

Está por todo o lado. O português quer saber de si próprio, depois quer saber dos que lhe são próximos (mas um bocadinho menos), depois do círculo alargado, como a escola em que anda, a empresa em que trabalha ou o bairro onde vive… mas um bocadinho menos. E por aí fora, em espiral descendente até se estar perfeitamente a borrifar.

Confrontado com a situação de prejudicar alguém para poupar a si próprio 2 minutos ou 3 euros, o português não hesita: que se lixe o outro.

Este é o português que estaciona em segunda fila para ir ao café, empatando todo o trânsito porque não está para estacionar 100 metros mais à frente. É o português que vai para a fila do supermercado enquanto a família vai aos corredores buscar compras e depois fica  a empatar a caixa, porque a esposa ainda não voltou com o óleo Fula. Este é o português que vai para o Multibanco fazer 15 operações e nem lhe ocorre fazê-las em conjuntos de 2 ou 3 enquanto vai fazendo pausas para deixar que outros se sirvam da máquina.

Como é que podemos esperar que isto mude? Com educação.

Mas primeiro, era preciso que as pessoas percebessem que educação não é “ir à escola”. Isto é educação que precisa de vir de casa, da sociedade, de quem dá o exemplo. Mas não vem, nem acredito que venha, num futuro próximo. Porque o que o português passa aos filhos é precisamente aquilo em que acredita para si próprio “tenho direito, não tenho deveres, estou aqui para tratar de mim, os outros que tratem de si”.

Não somos o país do “um por todos, todos por um”, somos o país do “olha-me este, querem ver?!” e do “espera aí que eu já te conto”.

Estou a escrever este post sobretudo porque ainda me dói a carteira no sítio de onde saíram hoje 15,54 euros.

Vivo numa zona central da cidade, muito perto da praça onde se realizam as grandes festas do PCP… perdão, da Câmara Municipal. Vivo perto de escolas, de um parque urbano, de um auditório, do McDonald’s, vários outros restaurantes e até do teatro municipal.

Consequentemente, em dia de evento, seja campeonato de andebol numa das escolas, de peça no teatro, ballet no auditório ou, como se passou ontem, festa do 25 de Abril com concerto e fogo de artifício, o meu bairro é um vê se te avias para estacionar.

Trata-se, porém, de uma zona de estacionamento para residentes. Para estacionar aqui (e isto é assim em toda a cidade de Almada), é necessário ter um dístico de residente, que se obtém na ECALMA (a EMEL de Almada) e que requer tanta papelada que eu tive que fazer mais do que uma tentativa para obter o meu.

Sem o papelinho, podemos estar estacionados à porta do prédio onde vivemos que não faz diferença, os senhores fiscais passam e multam e é se não passarem e bloquearem ou rebocarem o carro.

Mas, alas, em dia de festarola, tudo isto é arbitrariamente cancelado porque a zona fica completamente a abarrotar de carros de não-residentes e um gajo chega a casa por volta das 20:30 e depois de 10 voltas ao quarteirão está disposto a ir dar uma cabeçada no polícia de trânsito que anda por ali a controlar as festividades e perguntar-lhe “onde é que eu estaciono esta merda, oh senhor figura da autoridade?”

Mas o que é que isto tem a ver com civismo e respeito mútuo? Então esta gente, para vir festejar no centro da cidade, deixava o carro onde?

Que tal no gigantesco parque de estacionamento de três pisos que fica precisamente por baixo da praça onde se realiza a festa? Hum? Que tal?

Ah, não… isso não, porque paga-se. E assim como deixo o carro em segunda fila para ir beber a bica e quem quiser passar que se foda, vou também estacionar o meu carro aqui nestas ruas e quem cá morar que meta o carro no parque e pague 15 euros e tal por uma noite de estacionamento.

Claro que estacionar o carro no parque durante umas horas para assistir ao concerto sai muito mais barato, o parque nem é caro, porque esteve 18 horas no parque e custou 15 euros e picos, ou seja, uns 85 cêntimos por hora. Para assistir a 3 ou 4 horas de festarola, três euros e meio, vá, quatro. Para ficar a noite inteira porque não tinha lugar quando cheguei do trabalho, incha porco.

E claro, depois de dez voltas às ruas até mais distantes de minha casa sem encontrar lugar, entro no parque e é só escolher. É que até dava para ir para lá jogar à bola no meio de uma largada de touros com um jogo de futebol a decorrer em simultâneo. E isto no segundo piso, há mais um para baixo e um para cima que é mais pequeno, porque tem o Pingo Doce.

Eu nem sou defensor das zonas para residentes, mas sou ainda menos defensor de que estas sejam opcionais nos dias em que os Srs. Autarcas querem fazer brilharete com as suas festividades bacocas. Ou existem, ou não existem.

E, acima de tudo, fico realmente sem grande esperança de vir a testemunhar um dia em que o portuga se preocupe com o próximo e não se importe de andar mais uns metros a pé, de esperar um pouco ou até mesmo de desembolsar dois ou três euros se isso significar que não vai empatar a vida a um monte de gente.

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22 comentários a “A minha liberdade acaba onde a dos outros começa”

  1. Bruno Figueiredo says:

    Porra, estas coisas lixam-me mesmo. Tenho um Pingo Doce a porta, com estacionamento subterrâneo gratuito para ai para 100 carros e um parque ao lado para uns 60. A frente do PD há uma paragem de autocarro. Claro que é ai que os animais estacionam primeiro. Depois ao lado há um passeio enorme. Claro que quando a loja abriu estacionavam ai dezenas de carros, quando há a merda de 60 lugares 10m ao lado! Depois puseram pirulitos mas nao antes deles lixarem o passeio todo e darem cabo de uma conduta de gás.
    A porta de minha casa então há uns artistas que gostariam certamente de levar o carro para a cama, por isso mesmo com rua cheia de lugares estacionam na curva para ficar mais perto da porta de casa, obrigando toda a gente a fazer manobras extra para sair com o carro. Isto só lá ia com mão pesada ate aprenderem. A desconsideração destas pessoas é impressionante.

  2. Bruno Figueiredo says:

    Outra coisa que adoro na gestão local é NUNCA informarem os residentes quando há um dos múltiplos eventos desportivos anuais que obrigam a fechar a minha rua ao transito. Depois eu que me lixe quando quiser sair de casa.

  3. Numa situação descabida dessas acho que é caso para exigires uma explicação à CMA/ECALMA. Não digo que possas exigir que te paguem o estacionamento – se bem que moralmente seria o mínimo a fazerem – mas de certeza que com a respota que te davam, pelo menos arranjavs mais material para escrever outro post a ridicularizar a palhaçada que isso é.

    • Eu já recentemente mandei um mail à ECALMA a queixar-me deste tipo de situação e a resposta foi “como qualquer empresa, actuamos das 9 às 5, depois é com a polícia”. Ora, tendo em conta que durante a festa do 25 de Abril havia polícia (de trânsito), por todo o lado e malta a galgar os passeios nas barbas deles, eu imagino que é um caso de “vá lá, camarada, temos que ser compreensivos”.

      Não sei, a mim parece-me que, nesta situação, a polícia de trânsito podia dirigir-se aos automobilistas e explicar que não podem estacionar nos passeios, passadeiras, curvas e lugares reservados, mas que em alternativa têm mesmo ali um excelente parque de estacionamento vazio.

      Até se poderia ir mais longe e, integrado no orçamento da festa, a CMA podia ter pago para o parque estar aberto e disponível para os visitantes.

      Mas não, é muito melhor assim.

  4. Fui ao cinema ontem. Dava um post igual, mas com cinema, criancinhas e os filhos da puta dos pais das ditas cujas. Muito pulseirame, muita mala de marca, mas chá, que é bom, nem vê-lo.

    • Eu gosto de filmes, mas cada vez gosto menos de ir ao cinema. É caro, levas com meia hora de publicidade, o intervalo a meio do filme regressou e, claro, ainda tens o povão. Para mim é mais incómodo e stress do que entretenimento.

      • Dextro says:

        E juntas a isso a quase incapacidade de encontrar uma sala que não te impinja o 3D com todos os custos e redução de qualidade de imagem que isso acarreta. E nem vou mencionar o facto da maioria das salas de cinema que tenho visto ultimamente (sem paneleirisses do 3D) terem uma qualidade de imagem absolutamente lastimável.

  5. badmary says:

    Mas… mas… eles retiram o direito aos moradores nesses dias??? Isso é um absurdo que não tem explicação!
    Vivo na zona de Almada, mas raramente lá ponho os pés. Numa das últimas vezes que lá fui paguei mais de 100 euros pq estacionei numa zona reservada. Coisa que nunca tinha feito e que fiz porque não vi o sinal. Tratava-se de uma dia de verão e, apesar de haver vários lugares, aquele estava à sombra. Não reparei no dístico :-( Coloquei moedinhas no parquímetro e em 10 min (foram mesmo dez minutos, não estou a mentir) estava de volta para encontrar o carro bloqueado.
    Paguei a multa, paguei o reboque… enfim, foi uma visita a Almada que me saiu ao preço de uma viagem a uma qq cidade europeia.

  6. Edgar Durão says:

    Isto é mesmo completamente verdade…
    Ainda demos umas voltas pelos quarteirões adjacentes á festa quando chegamos pelas 00.00 e nem um lugar: Estava tudo á pinha, passeios, meio das ruas…

    Depois fomos para o parque do Pingo Doce, e sim… estava literalmente com imensos lugares vazios. Vazio vazio não estava, mas mesmo no primeiro piso havia imensos lugares,e isto era meia noite.

    Imagino que quem tivesse vindo á festa desde o inicio já lá estaria.

    Estive lá duas horas até acabaram os Deolinda. Se compensa? De longe…. o carro ficou por baixo, não nos chateámos, e os troquinhos que foram a dividir pelos vários passageiros do carro foram uma ninharia.

  7. Sergio says:

    Acerca da ECALMA, o único ponto positivo que encontro na sua existência é ajudarem a reduzir a taxa de desemprego.
    Acerca dos portugueses, no outro dia vi no canal RTP Memória uma entrevista ao Miguel Esteves Cardoso onde faz algumas das observações mais acertadas que já ouvi acerca de todos nós, portugueses. Aqui fica http://youtu.be/rfbmf9OHJo8 A qualidade de imagem não é muito boa mas… para o que é, o som basta.

  8. Teresa Lago says:

    Estou farta destes chicos espertos que se acham muito finos porque estão a lixar o outro… A educação presentemente não existe. Vivemos um tempo de estupidez e parece que quem é mais estúpido é que é gente…Não me identifico nada com esta forma de vida. Só queria viver num lugar onde o respeito por o semelhante fosse a base. Aí sim eu me sentia bem…
    Um bem haja para todos os que marcam a diferença pela postura da boa educação…

  9. B says:

    Olha, a ditadura durou de 1926 a 1974, foram 48 anos.
    Quanto ao resto do post não tenho especiais comentários a acrescentar a tudo o que foi dito.
    Claro que tens imensa razão, o que eu gramava mesmo era que alguém descobrisse a fórmula que fizesse com que Portugal deixasse de ser um completo país de Chico-espertos. Eles estão em todo o lado e dominam tudo.
    Será um problema cultural ou estará na massa do sangue ? Não faço ideia. Só sei que quem não é como eles sofre e fica prejudicado.
    Abraço.

  10. Pisca says:

    É raro passar por aqui, mas gosto de voltar de vez em quando, apenas 2 notas:

    – “onde se realizam as grandes festas do PCP… perdão, da Câmara Municipal” – se fosse o Tony Carreira e a bicharada do continente era a festa de quem ?????

    – Quanto ao salve-se quem puder, de acordo eu chamo-lhes os Neo-Grunhos, e são tão piores quanto mais “importante” é a viatura, cuidado de Audi para cima nem vale a pena resmungar, assumem aquele ar de gente bem posta na vida e disparam para todo o lado, devem ser os neo-empreendedores

    Digo que que tenho um sonho na vida, arranjar um espaço e criar um hipermercado em que se possa entrar com o carro e tudo e depois circulam lá dentro, só não sei como resolver o assunto quando for o pai a mãe e a menina tudo ao mesmo tempo, mas vou pensar nisso

    • :-)

      Por alguma razão nunca vi o Tony Carreira tocar em Almada, mas o Fausto está cá sempre caído ;)

      • Pisca says:

        Olhe que não, a ultima vez que me lembro do Fausto deve ser por volta de 1995, além de que o mesmo não nada perto do PCP, confira por aí

        Confesso que prefiro o dito ao vocalista de banda de fim de semana bem produzido

        • Bom, se o Fausto é “amigo” do PCP ou não, não sei, de facto, era mais brincadeira que outra coisa, mas desde 95 é que não é de certeza, porque ainda nos festejos do 25 de Abril tocou aqui no centro de Almada.

          • Pisca says:

            Claro que tocou e também em 2007 fui pesquisar, confesso o erro humildemente

            Penso que a vinda dele terá algo a ver com o seu ultimo album, que foi considerado dos melhores do ano

            Para quem gosta é claro, e eu gosto

            • Mais uma vez, era só uma gracinha, por mim, o Fausto pode ter a orientação política que quiser e os concertos da CMA até costumam ser variados, mas com o PCP no poder desde o 25 de Abril, o partido e a autarquia, sinceramente, já se confundem.

  11. Pisca says:

    Já agora para registo:

    2011 – Lura /Teratron
    2010 – Janita Salomé/OpueStrada
    2009 – ????
    2008 – ???
    2007 – Fausto /GNR
    2006 – Rão Kyao/Jorge Palma

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