Educação sem bolas

Publicado em , por Pedro Couto e Santos

A educação de rapazes em Portugal está intimamente ligada a esse sólido geométrico regular, a esfera.

Ou melhor dizendo, a bola.

Eu, que até sou um apreciador de desportos que envolvem tal geodésico objecto, fico por vezes surpreendido com a insistência que certos pais colocam na sua importância na relação que constroem com os filhos.

O meu filho, de facto, não quer saber de bolas para nada. Nem de as projectar manualmente, nem de as deslocalizar à biqueirada.

Não sei se é porque ele não quer saber, se por eu nunca ter insistido freneticamente como vejo tantos outros pais fazerem. Atenção, não critico de todo os pais que jogam à bola com os filhos. Seria idiota criticar tal coisa.

Aliás, eu nem estou a criticar nada, estou apenas curioso: será o futebol uma coisa tão assoberbantemente importante na vida da maioria dos homens que a única maneira que acabam por encontrar de se relacionarem com os filhos é através de uma mediadora esférica?

E ainda: será que assoberbantemente é mesmo uma palavra?

Visito regularmente o parque da cidade com o meu filho, para fazer um picnic, caçar monstros e procurar tesouros – as suas actividades preferidas – e vejo vários pais a jogar à bola com os filhos. Há os que estão a divertir-se e depois há os outros, esses sim, os que me despertam a tal curiosidade de que falava há pouco: uns, com crianças pequenas que mal sabem andar, insistem que os petizes chutem a bola e andam de roda deles até que toscamente acertem no esférico, após o que se segue uma festa esfuziante; outros, com crianças mais crescidas, insistem para que estas melhorem as técnicas de remate, os passes ou o domínio de bola, ficando por vezes, verdadeiramente irritados quando um puto de 6 ou 7 anos, não consegues chutar a direito; finalmente, outros ainda que, independentemente da idade da criança optam por demonstrar os seus próprios skills, para frustração desta: fintam-na, dão toques e rematam por cima das árvores transmitindo toda a sua superioridade de Cristianos Ronaldos frustrados.

Acho muito bem que os pais brinquem com os filhos, mas porquê a ganância obsessiva de alguns com o futebol? Terão a esperança que a criança cresça e vá jogar para o Real Madrid e lhes compre uma mansão de férias em Saint Tropez? Ou será que não conseguem relacionar-se com os putos de mais maneira nenhuma senão pelo único interesse que têm na vida, o futebol?

Bom, se calhar, como pais, temos todos a tendência para passar aos nossos filhos os nossos interesses e os que são fanáticos da bola estão apenas mais expostos. É bem possível que, algures neste Portugal, um pai columbófilo esteja neste momento a gritar ao seu petiz: “Tu anilha-me esse borracho como deve ser, Vicente Miguel!”

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13 comentários a “Educação sem bolas”

  1. Eu achco que só daqui a uns anitos é que te vais aperceber da gravidade e da dimensão da situação. Experimenta (se quiseres antecipar a coisa) ir assistir a um jogo de futebol entre classes infantis duma escola de futebol.

    Não ligues aos pais, ouve, sobretudo, as mães.

    Mas não leves os teus filhos. A linguagem usada pelas progenituras ali presentes não se recomenda a crianças.

    É violentíssimo

  2. artur says:

    Como sabes, nos USA, é o basebal ou o baquetebol. Não há pai que não queira ensinar o seu petiz a fazer um home run ou a fazer uns cestos. E na Coreia do Norte, como será? Será que os pais ensinam os seus filhos a chorar desesperadamente a morte dos queridos líderes, um após outro?

  3. Na coreia ensinam os filhos a jogar Starcraft

  4. Luis V. says:

    Cada um faz o melhor que pode.

    Pior seria se em vez de darem atenção ao filho preferissem ficar a jogar playstation. E eu até jogo playstation e não à bola.

  5. martim says:

    O meu filho nunca ligou a futebol, andou durante uns meses numa aula, pq os amigos lá andavam, mas rápidamente perdeu interesse. Talvez tenha a ver com ninguém gostar de bola lá em casa… Depois andou 2 anos no judo, adorou, até passar para uma aula onde era o mais pequeno e andar sempre no chão. Agora está no hoquei, ele adora e eu adoro vê-lo.

    Caçar tesouros (aka fazer geocaches), brincar com carros telecomandados, escalar pedregulhos ou rochas isso são tudo coisas q adoramos fazer juntos… mas não quer dizer q se houver uma bola não lhe damos uns chutos, mas as outras coisas são muito mais giras. :-)

  6. Não sou pai… sou tio e padrinho e felizmente passo muito tempo com eles, nessa actividade.

    Porquê futebol?

    No meu caso acredito numa coisa: qualquer desporto em equipa é bastante positivo para o desenvolvimento de um puto. Pode ser apenas porque tem que respeitar o treinador (alguém que não da família e que não o professor), que tem de partilhar a “bola” (ou outro objecto), tem de respeitar os colegas, respeitar as regras (do futebol, de ter que ficar no banco, se portou-se mal e fez birras não joga por melhor que ele seja a jogar).
    Isto nos escalões de escolinhas (benjamins, petizes, etc).

    Podia ser outro desporto? Podia sim senhor, desde que (para mim) fosse em equipa, isso sim acaba por ser importante naquela idade.

    (In)felizmente a oferta a nível nacional é bem mais virada para o futebol (onde moro existe 1 campo de Futebol 11 relvado por cada freguesia, com cerca de 50 miudos até aos 10 por cada campo), Basket e afins é mais na cidade.

    Acho importante (e muito) a questão de equipa, regras, disciplina, se for desporto melhor, ser futebol… é me indiferente.

    • Tudo é sempre relativo. Mais uma vez reitero que não critiquei que os putos joguem à bola, muito longe disso.

      Mas dizia que é relativo, porque depende de muitos factores e por vezes, participar num desporto de equipa para ser enxovalhado pelos colegas ou preterido por um (mau) treinador e por aí fora podem ter um impacto negativo nos miúdos.

      Uma coisa, para mim é certa e é essa a essência do meu post: se for feito à força, não me parece que o resultado final seja muito positivo.

  7. Bino says:

    Tive o azar de ser filho único, de maneira que o meu pai fez questão de me transmitir alguns valores pessoais.
    Tal como ele também sou do sporting, mas nem um nem outro alguma vez fomos a um estádio de futebol. No que o meu papá se esmerou em educar-me foi a gostar de gajas. Sempre que na tv aparecia uma que ele achava boazona chamava-me sempre, “Bino, anda ver o material”.
    O mais bizarro é que quando aqui escreves posts sobre o Tiago e do gosto dele pelo Batman ou qualquer outro super herói, lembro-me sempre do meu velho a mandar-me apreciar os “materiais”. Acho que todos os pais tentam incutir nos filhos os seus próprios gostos e isso é bonito.

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