Marcos e perdas

Publicado em , por Pedro Couto e Santos

No dia 11 de Março, o meu filho Tiago completou seis anos de idade.

Confesso que não me têm sido fáceis, os últimos tempos. Também não tenho escrito aqui muito, já que substituí um pouco este blog por umas notas pessoais e pelo livro que ando a escrever. Mas agora levam comigo, ou não levam, conforme vos aprouver mudar de feed, ou saltar de tab, ou pelo contrário.

Não tem sido fácil, porque apesar da passagem to tempo, ainda não arranjei maneira de conciliar os filhos que tenho com o que não tenho. E sempre que há um marco na vida do Tiago ou da Joana, não consigo (e não quero), evitar pensar no Alexandre. O sexto aniversário do Tiago é um desses marcos.

Como é que se dá a volta a uma coisa destas? Por um lado, a alegria e felicidade de quem tenho, de ver o Tiago crescer, chegar aos seis anos, a escassos meses de entrar para a escola primária, por outro, pensar que o Alex faria este ano já 8 anos e estaria prestes – imagino – a ir para a terceira classe.

Não o tenho. E se o tivesse, se calhar não tinha o Tiago, ou não tinha a Joana.

Já passaram quase oito anos, é verdade. E sinto-me um pouco cansado de ser o gajo que fica calado para não aborrecer as outras pessoas com histórias de bebés mortos. É a vida. Por acaso, esta é a minha. As vossas terão outros eventos, quiça tão ou mais fodidos. Mas esta é a minha.

E sim, adoro os meus filhos, não poderia de forma absolutamente alguma considerar sequer a hipótese de não ter um deles para ter o que não tive. Mas há dias em que, loucura absoluta, me apetecia ter os três. E porque não os três?

Fui obrigado a separar-me de um filho de uma forma clínica. Não estive com ele, não o pude ver, senão no funeral – daquela forma… obscena, levado por um funcionário que faz aquilo todos os dias e se está a borrifar, porque senão borrifar, não aguenta o trabalho que tem, que me disse, enquanto esperava à porta do cremátorio: “escusa de esperar, aquilo não sobra nada”. “Aquilo”. E é verdade: Não sobra nada. Não me resta nada. Uma imagem esbatida, uma memória fugaz. E muitas noites sem dormir, ainda hoje, ainda agora, quase oito anos mais tarde.

E agora sinto-me obrigado a não falar disso, a não mencionar o assunto, a tentar ser educado com todas as pessoas que insistem que tenha mais filhos com a frase: “então e o terceiro?”, não se apercebendo que para mim, o terceiro é a Joana e que não há nada que mude isso.

E não estou a ser dramático, é mesmo assim. Não estou aqui para agradar a ninguém, nem desagradar a ninguém. Esta é a minha realidade e é a ela que me agarro. Estou aqui, estou a meio da vida – se puder viver tantos anos – e sim, um gajo começa a pensar e repensar muitas coisas; começa a questionar as escolhas, a reviver decisões, a pensar no que ainda pode mudar e naquilo que se tornou já imutável. E se tenho três grandes questões na minha cabeça que todos os dias me agitam e todas as noites me acordam, a sensação de vazio deixada pelo meu filho é uma delas; não só porque ele não sobreviveu, mas também porque não pude guardar dele uma recordação digna.

Mas é assim. Fica um nome, fica a memória esbatida. Ficam dois irmãos que espero que sejam felizes por três.

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