Das greves e aventuras ferroviárias

Publicado em , por Pedro Couto e Santos

Desde segunda-feira que os rapazes da Transtejo estão de greve. Como não gostam do facto dos colegas da Soflusa ganharem mais uns euros que eles no subsídio de assiduidade, decidiram lixar a vida a toda a gente, para mostrar quão importantes são.

O conceito de greve é, para mim, um conceito antiquado que, num mundo cada vez mais privatizado, faz menos sentido a cada ano que passa. Já não há pachorra para o sindicalista barrigudo, de bigode, a falar de “formas de luta”. Formas de luta são: invadir a Assembleia da República e partir aquilo tudo; raptar os administradores da empresa e afogá-los no Tejo; colocar bombas, começar guerras civis ou simplesmente cometer assassinatos estratégicos.

Agora greve serve apenas de incómodo para quem usa os serviços em questão e tem, geralmente, zero resultados.

Se eu e os meus colegas designers decidissemos fazer greve por Macs em vez de Wintels o mais certo era estarmos quase todos despedidos no dia seguinte. A greve é, parece-me, mais uma marca do espírito de serviço público.

Não tenho, porém, nada contra os empregados de qualquer empresa, exigirem melhores condições – salariais, de horário, etc – no seu trabalho, mas a greve não me convence.

No caso da Transtejo, estamos a falar de uma greve que cai precisamente nas horas de ponta – de manhã e ao fim do dia – durante cinco dias, o que só demonstra uma vontade de maximizar o transtorno aos utentes do serviço. Se assim não fosse, a greve era de 24 horas e acabou-se.

Temos ainda as greves às sextas-feiras e perto de feriados; essas então não têm qualquer outro objectivo senão o de providenciar um fim de semana prolongado a quem adere à “forma de luta”. Enquanto 15 gatos pingados participam numa manife, o resto está na Costa da Caparica a apanhar Sol.

Por causa da greve da TT, tenho estado a vir para Lisboa de combóio. Era algo que já tinha querido experimentar, para ver como é, quanto é e quão rápido é – portanto decidi aproveitar.

Hoje – terceiro dia – a coisa correu suavemente e sem incidentes. Mas não foi assim nos dois primeiros dias.

Segunda-feira, saí de casa, meti-me no carro e rumei ao Pragal. Usei o meu conhecimento da cidade para estabelecer o percurso que me pareceu mais rápido e com menos trânsito e senti-me satisfeito por verificar que rapidamente estava a passar em frente ao Hospital, rumo à estação.

A estrada tem duas faixas: a da direita é bus, pelo que me mantive à esquerda. Claro que é à direita que tem que se virar para ir para o parque subterrâneo.

Tarde demais, claro, como ia na faixa errada, só vi a tabuleta tarde demais – já que a mesma não está antes da saída, mas depois, como é habitual em Portugal.

Não desanimei.

Dei a volta à rotunda do Monte e, voltando para trás, não me deixei enganar: meti-me na faixa do bus e lá estava ela: a saída para o parque de estacionamento, acessível apenas a partir de uma faixa de rodagem onde é suposto eu não andar.

Logo à direita havia uma saída marcada simultâneamente “parque” e “bus”. Desta vez ignorei as regras e virei. No entanto a única coisa que vi foram dezenas de carros estacionados nas bermas… e nenhuma entrada para um parque: descoberto ou subterrâneo. Nada.

Não desisti… mais uma volta ao carrossel e desta vez não virei à direita. Continuando a seguir uma estrada sinuosa, cheguei a uma rotunda. A primeira saída estava claramente marcada: “parque”. Virei.

Qual não foi o meu espanto quando dei comigo mesmo precisamente no mesmo sítio: carros nas bermas, a entrada para a estação e “zonas bus”. Arrisquei mais um pouco e meti-me por uma dessas zonas bus… no entanto não passavam disso mesmo: paragens de autocarro. Entrada para parques de estacionamento: zero.

Mais uma volta… o tempo a passar e eu já atrasadíssimo, mas sem desistir.

Desta vez decidi não sair na rotunda onde dizia “parque”, mas sim na saída seguinte, onde quatro tabuletas em branco indicam aquilo que pensei tratar-se do fim do mundo. Quando digo em branco quero dizer: sem nada lá escrito. Tabuletas vazias, desertas, sem texto, nem bonecos, nem cores, nada.

Seguindo por aí, atravessa-se a linha do futuro metro de superfície, vê-se o instituto Piaget e… espanto: o parque subterrâneo da Fertagus!

“Claro!” – pensei eu – “É óbvio que era preciso virar para a saída que não diz a ponta de um corno!

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4 comentários a “Das greves e aventuras ferroviárias”

  1. Kella says:

    Aquilo tá muita mal feito, tá!

  2. paco says:

    Da greve – concordo contigo.
    Da sinalização – concordo contigo.
    Dois exemplos de Portugal no seu melhor!

  3. artur says:

    Mas é claro que o carro é para estacionar na berma – e não no parque. Para quê, então, sinalizar uma coisa que ninguém usa?
    Quanto à greve – 100% de acordo! A greve só serve para virar a população contra os grevistas – e não contra o governo. Outras formas de luta: todos os funcionários da TT usarem uma inscrição, ao peito, dizendo: “sabia que eu ganho menso x euros que os colegas da Soflusa. Quer saber porquê – pergunte ao Sócrates”. Outra sugestão: irem todos trabalhar ao mesmo tempo e, os que não tivessem nada para fazer, ficavam sentados nos pontões, com cartazes. Sei lá! Os sindicatos que sejam mais imaginativos! Greve está out!

  4. Macaco says:

    O problema é que àquela hora, a berma está cheia! Como não podia deixar de estar. Aliás, está cheia mesmo até à entrada do silo, hoje, o gajo que ia à minha frente numa break teve que fazer uma manobra para conseguir entrar para o parque.

    Quanto às formas de luta, o melhor era mesmo ser os gajos irem trabalhar todos nús com inscrições pintadas no corpo.

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