O flagelo das festas de aniversário modernas

Publicado em , por Pedro Couto e Santos

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Tendo sido criança durante os anos 70 e 80 e tendo agora filhos que são crianças já na segunda década do novo século, é impossível não reparar em todas as pequenas diferenças que existem no mundo entre o “meu” tempo e o deles.

Há coisas absolutamente evidentes e que me fariam estar aqui o dia todo, como não haver computadores pessoais em 1980, quando eu tinha oito anos e como agora o meu filho de oito anos maneja um comando de PlayStation durante horas para jogar Minecraft que, ironia ainda maior, é um jogo moderno que recorre a gráficos já considerados “clássicos” como linha estilística.

Mas não, nada disso. Interessa-me mais falar dos comportamentos novos em que participamos todos, que envolvem as nossas crianças mas que, no fundo, devem ter sido criados pela nossa própria geração.

As festas de aniversário, por exemplo. Não é que eu não tenha tido festas de aniversário ou que nunca tenha ido a nenhuma, sim, “fiz” (leia-se, os meus pais fizeram), algumas festas com amigos da escola e fui a algumas eu também. Mas agora todos os meninos fazem festa de aniversário e convidam todos os meninos da escola. Todos.

E não nos ficamos por aí: as festas são, invariavelmente, organizadas em espaços que têm surgido por aí como cogumelos, especializados no assunto. São festas temáticas, em parques de diversões, salas de jogos ou quintas com animais. Custam sempre uns duzentos euros ou mais (aos paizinhos que organizam, claro) e geralmente ocorrem em paralelo com mais uma, duas, três, cinco, sete festas, no mesmo espaço.

Já estive em festas em tendas com insufláveis, em picadeiros com cavalos, em matas com arborismo, em ginásios com teatro para miúdos, enfim, de tudo um pouco.

Os meninos fazem anos, os amigos são todos convidados e toda a gente vai, mesmo que haja uma festa no sábado de manhã e outra no sábado de tarde, de dois meninos da mesma turma, em que os convidados são os mesmos. Ou uma no sábado e outra no domingo logo a seguir. Toda a gente se junta outra vez, num outro espaço de festas com baldes de pipocas, tigelas de batatas fritas e garrafas de Cola do Lidl.

Quando as duas ou três horas de aluguer do espaço começam a aproximar-se do fim, é chegada a altura do bolo e de cantar os parabéns. Até aqui tudo bem, canta-se os parabéns ao alegre petiz, um dos amigos está a um canto amuado e a recusar-se a cantar (sim, confesso, muitas das vezes é um dos meus), outro chora ao colo da mãe porque algo correu mal na última volta no castelo mágico e uma série de adultos que passaram a manhã a fazer conversa de circunstância começam a recuperar o brilho nos olhos de quem em breve estará ao volante do seu automóvel, a caminho do Pizza Hut.

Mas aqui entra outra neo-tradição: as canções de aniversário. Originalmente, cantava-se o “Parabéns a você” e isso chegava perfeitamente. Se algum miúdo queria apagar novamente as velas, cantava-se uma versão rápida da mesma canção, com “lá lá lá” nos versos e depois um aplauso para o soprar da coisa.

Agora não. Agora, depois do “Parabéns a você”, o aniversariante, muitas vezes instigado pela mãezinha (quase sempre a mãe, o pai está do outro lado, a tirar fotos com a máquina fotográfica cara demais, que só sai do saco para estas ocasiões), instigado pela mãe, dizia eu e muitas vezes lutando contra uma timidez compreensível por estar rodeado de pessoas que não conhece, canta “Obrigado amiguinhos”. O “Obrigado amiguinhos”, é a canção de agradecimento a quem cantou o “Parabéns a você”, é como se tivéssemos que obrigar as nossas crianças a agradecer publicamente a todos por terem ido à festa demasiado extravagante que nós próprios os ensinámos a desejar anualmente.

Quando comecei a ouvir isto, primeiro pensei que fosse só uma fase, mas desde então, a coisa tem-se multiplicado e já praticamente não há festa de aniversário em que não se cantem ambas as canções. Ambas? Ambas não, porque há mais! Sim, há mais! Depois das duas canções, todas as crianças irrompem em “Parabéns para ti, parabéns para ti, mas o bolo é para mim!”. Uma terceira canção, de teor humorístico que finalmente permite que se avance para o corte do bolo, o lambuzamento das caras e a partida, em derrapagem, dos veículos, rumo a casa ou a uma refeição decente.

E o bolo? O que aconteceu ao belo bolo coberto de maçapão, com um magnífico “parabéns” manuscrito a chocolate e com flores azuis se for menino e flores cor de rosa se for menina? Ou o bolo campo de futebol/rato Mickey? Nada disso, os bolos agora são fantásticos (e são mesmo!), verdadeiras esculturas de pasta de açúcar e recheio de chocolate. São todos feitos por “cake designers” e custam outros duzentos euros. Não estaremos a exagerar? Quer dizer, são belos bolos, mas… São bolos, aquilo é para cortar aos bocados e comer.

Mas mesmo depois de violentarmos uma estatueta comestível, ainda não é hora de partir. Não, ainda não estamos despachados, porque quando a festa termina é chegado o momento de outra coisa que eu nunca tinha visto na vida, mas que agora é standard: o saquinho de brindes.

Todos os meninos que foram à festa têm direito a um saquinho com brindes, no final. Os saquinhos costumam conter coisas diversas como gomas, balões e um pequeno brinquedo como um bonequinho, carrinho, bolinha saltitante, etc. É uma simpatia, não digo que não. Mas não é simpatia suficiente alugar um parque infantil inteiro, pagar a uma moça para pintar borboletas na cara dos miúdos e a dois palhaços para fazerem animais de balões? É mesmo preciso entregar saquinhos de brindes no final? Que mais? Uma massagem nas costas cansadas dos pais?

Ou seja, não só temos que comprar umas prendas para o nosso filho aniversariante, como ainda temos que comprar mais vinte e cinco prendas para os seus vinte e cinco colegas de escolinha, convidados da festa.

Mais do que questionar a validade de qualquer uma destas coisas, eu pergunto-me é de onde vieram. Nada disto foi ideia minha, garanto! Mas foi de alguém que andou comigo na escola, quase de certeza, ou talvez de alguém um pouco mais velho, mas não da geração dos meus pais, altura em que nada disto existia.

Portanto, vamos lá ver… Acusem-se! Quem de vocês, que cresceu nos anos 70 ou 80, que, na melhor das hipóteses, fez um aniversário no baldio nas traseiras da vivenda clandestina de um tio na Charneca da Caparica, com um bolo rectangular, branco, com dois estrumpfes de plástico em cima, com quatro ou cinco dos vossos melhores amigos (três nem na mesma escola andavam) e se limitaram a ouvir o “Parabéns a você”, cantado uma única vez e já com um certo cheiro a álcool no ar, é que inventou todas estas novas tradições que nos custam dinheiro, causam ansiedade e não servem para absolutamente nada?

Mais uma ou duas gerações e as festas de aniversário vão tornar-se verdadeiras cerimónias com pompa e circunstância, quando na verdade, se calhar, dois ou três miúdos, umas prendas, umas sandochas e um bolo, chegavam.

Defendo, portanto, que nisto das festas de aniversário, mais simples é, muito provavelmente melhor. É que uma coisa não muda, por muitos anos que passem: dá-se um brinquedo super sofisticado e moderno a uma criança e ela vai achar muito mais piada à caixa em que ele veio!

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4 comentários a “O flagelo das festas de aniversário modernas”

  1. Mary QA says:

    Isto tem pano para mangas, mas no geral tens toda a razão. No entanto, gostava de perguntar se os teus filhos andam na escola pública ou privada. Isto porque assisto ao pavor das minhas amigas com filhos nos colégios, ao dinheirão gasto em presentes, à pressão e obrigação de ter de convidar todos os amigos (é que não percebo!) mesmo aqueles com quem se calhar nunca brincaram…São 25 meninos, é ver os fins de semana livres de festas que há no ano lectivo. Também referem as várias canções, e toda a panóplia de pinturas faciais, balões, etc. O meu filho anda na escola pública aqui da zona. Foi, desde o início do ano a um total de 5 festas ou menos, onde não foram convidados todos os meninos. Todas em casa, como bolos caseiros cobertos de gomas, brincaram no quarto do aniversariante ou jogaram à bola nas traseiras da casa. E eu fico tão contente por ele não estar à espera do bolo em formato de tartaruga ninja, nem de nenhuma verdadeira atração na festa. Festa é festa, há putos e há bolo, eles brincam e está feito. Ah, e os pais não ficam na festa, que é outra das novidades. Eu gostava de saber se isto é moda de colégio, ou se é geral, e eu é que tive sorte… (em relação aos saquinhos e guloseimas, li este texto há uns tempos http://www.huffingtonpost.com/melissa-sher/lets-cut-the-crap-and-kiss-goody-bags-goodbye_b_5433946.html)

  2. Helena says:

    Ora aqui está um post que diz tudo aquilo que penso sobre festas de aniversário de crianças no novo milénio. Já passei por tudo isso dezenas de vezes com amigos dos meus filhos ou com os filhos dos meus amigos, tudo, excepto essa nova versão dos parabéns em que o aniversariante agradece. Já me basta a continuação que sou incapaz de me lembrar e que envolve qualquer coisa como “tenha tudo de bom e blá blá blá” e a nova adenda que só conheci há bem pouco tempo do “blá blá blá, mas o bolo é para mim”. Eu compreendo que é difícil organizar festas em casa e que as casa são muitas vezes pequenas para tanta criança que agora se tem de convidar obrigatoriamente, mas defendo a bela da festa em casa (com mais ou menos amigos, consoante a vontade e o espaço). Por aqui, já desisti dos belos bolos e só uma única vez dei saquinhos cheios de belas cáries dentárias aos convidados. Faz-se tudo caseiramente e pronto. O que não consigo parar é a torrente de versões dos parabéns que a malta insiste em cantar. Se estiverem por cá em Agosto podem vir a uma festa à antiga para relembrar os bons velhos tempos!

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